segunda-feira, 01/07/2024

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A doação certa na hora certa

Por Renan Favero*

A urgência em ajudar com itens essenciais para os atingidos é transportada por um caminhão de ansiedade abastecido com capacidade de execução, entretanto, como uma característica de nossa sociedade, o GPS do planejamento é subjugado mais uma vez.

Estruturas logísticas previamente existentes e já sobrecarregadas pelos eventos de 2023 foram severamente atingidas e rompidas no estado, além de rodovias e pontes, temos:

  • Caminhões, empilhadeiras, armazéns além de outros recursos, totalmente inoperantes, uma capacidade produtiva que poderá requerer muitos meses para se recuperar;
  • Força de trabalho perdida, seja a mão-de-obra administrativa, operacional ou motoristas, desalojados ou desabrigados;
  • Perda de produtividade da estrutura residual, ou seja, os recursos já escassos passaram a produzir muito menos.

Coincide com este desequilíbrio da estrutura um momento em que os olhares nacionais e mundiais deslocam toneladas de doações, em todos os modais possíveis para este mesmo centro gravitacional.

Como produto de um cenário como este, qual é doação certa?

A diversidade de itens necessários a população vulnerável requer uma orquestração contínua das linhas de suprimentos de donativos, já que a combinação de estrutura comprometida com volumes inimagináveis pode resultar em excessos para uns e fome para outros.

O item certo na hora errada

  • Os riscos associados à chegada de doações inadequadas ou fora de sincronia com as necessidades.

Vamos avaliar por exemplo o caso do vestuário, um item que é parte de doações em campanhas anuais em toda parte, e naturalmente, um bem que, tipicamente, não requer desembolso financeiro do doador já que habitualmente já está descartado dentro do armário do doador.

O vestuário possui um pico de demanda curto, de item curva A nos primeiros dias, passando a B e C rapidamente. É intenso quando as pessoas são abrigadas e perde força à medida que estes passam a usufruir de condições mínimas de higiene e limpeza.

Ocorre que com uma cadeia de suprimentos alongada pela comoção da sociedade nacional e internacional e os desafios logísticos vigentes na região atingida, a resposta em doações mais próximas ao local é suficiente para suprir as necessidades da curva de demanda enquanto vestuário é curva A, e o efeito resultante passa a ser a chegada de enormes quantidades de vestuário quando este já se tornou um item curva C.

O item certo na hora certa

  • Estratégias para planejar necessidades imediatas e garantir que os suprimentos cheguem rapidamente aos afetados.

Em paralelo a curva de demanda do vestuário, nota-se que alimentação possui uma dinâmica completamente diferente, já que inicia e se mantêm constante durante todo o período em que as pessoas estão deslocadas, reduzindo-se de forma gradual à medida que as pessoas retornam às suas casas.

Custo logístico x valor gerado para os atingidos

  • Como doações bem-intencionadas podem se tornar um fardo quando não são coordenadas adequadamente.

No meio deste ambiente volátil, onde prioridades mudam o tempo todo, a falta de planejamento e coordenação centralizada da cadeia de suprimentos de donativos resulta em situações como a descrita no exemplo a seguir:

  • 20 caminhões carregados de donativos mistos e não paletizados;
  • Composição: alimentos, roupas, água, limpeza e higiene.

Carregam consigo os seguintes esforços e custos:

  1. Consolidação no local de coleta;
  2. Transporte unitizado para um centro de consolidação;
  3. Transferência para o CD de processamento e triagem de destino;
  4. Recebimento no armazém de destino onde haverá:
  5. Triagem qualitativa em vestuário (10-30% de roupas sujas, rasgadas e com todo tipo de odor, são descartadas);
  6. Triagem de validade de alimentos, água, higiene e limpeza (cerca de 10% em itens vencidos);
  7. Montagem de kits de alimentação (cestas básicas), kits de higiene pessoal e kits de limpeza;
  8. Unitização de vestuário masculino, feminino, infantil e calçados;
  9. Armazenamento principalmente de B e C;
  10. Crossdocking principalmente de A;
  11. Carregamento para distribuição para municípios atingidos;
  12. Descarte de itens vencidos ou avariados.

Vamos considerar a carga de trabalho e custo parcial até este momento, sem incluir transbordos posteriores e a última milha, para compreender que:

  • Somente no CD de processamento seriam necessários ao menos 3 mil m2 de armazém;
  • Ao menos 1000 pessoas todos os dias, os quais, além de outros recursos e equipamentos, estarão aptos a entregar ao destino um volume enorme de itens curva B e C, importantes, mas não essenciais, e um volume menor de itens curva A – alimentos – , 10 a 15%, de todo volume físico original.

Mesmo sem mensuração econômica, é razoável concluir com base nos eventos acima, que uma doação de 2 a 3 caminhões exclusivamente de cestas básicas, ou mesmo, a aquisição destas tenham custo logístico e prazo de entrega menores e sejam uma alternativa mais sensata de abastecimento, eliminando pressão de todo sistema.

Compreendemos conjuntamente com a ABRALOG, que a logística humanitária é parte decisiva em qualquer plano estratégico de resposta as consequencias das mudanças climaticas; alheios as necessidades de investimentos e infraestrutura, podemos extrair muito mais a um custo e impactos muito menores, desde que uma agenda permanente de cooperação efetiva entre todos os atores seja estabelecida, em prol da doação certa, na hora certa. * Renan Favero é executivo de logística, transportes e inovação

Foto: Do autor

Abralog faz bem para sua logística.

 

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